666 é uma nova seção do blog que tem como objetivo suprir o abismo entre a quantidade de livros que leio e o tempo disponível para traduzir a experiência das leituras em palavras. Nesses quatro anos e meio de idade o Biblioteca do Terror cresceu de uma maneira assustadora, tudo graças a vocês, leitores fiéis que sempre compartilharam suas impressões, críticas e sugestões me incentivando sempre a melhorar. Assim como a seção de notícias nasceu de pedidos, a ideia da 666 surgiu a partir de várias indicações, principalmente de leitores que acompanham minhas leituras no Skoob.
Na correria diária de faculdade e trabalho várias leituras passam ser receber nenhum comentário, por isso pretendo utilizar esse espaço para escrever sobre esses livros, sempre relacionando seis obras e duas outras situações, que nesse caso serão seis motivos para lê-las e seis motivos para evitá-las. Nessa primeira edição serão abordados livros que sofreram com a ação do tempo, ou seja, envelheceram mal e ficaram datados. E isso para uma obra de terror é a pior coisa que pode acontecer, seu elemento assustador perde todo seu poder, e o livro se torna apenas mais um objeto acumulando poeira nas estantes de bibliotecas e sebos. Mas isso não significa que tudo esteja perdido...
Furor Homicida de Richard Neely
[Editora Record, 1970, 267 páginas]
Por que ler?
Imagine se Norman Bates tivesse aulas de etiqueta de assassinatos com Hannibal Lecter? O resultado seria um livro similar a Furor Homicida. Richard Neely cria dois protagonistas formidáveis, Lambert Post, o tímido e introvertido, e Charles Walter, o carismático sedutor. A primeira metade do livro descreve a evolução da relação entre os dois, com uma dose de violência estritamente controlada, os assassinatos que surgem desta união de mentes são reproduzidos com uma carga de suspense esmagadora. O leitor é preso num dos cômodos mais sombrios da mente dos protagonistas e é obrigado a acompanhar a ação em primeira pessoa, tendo sua perspectiva alterada de tempos em tempos, para dar aquele toque a mais de emoção.
Por que evitar?
Se a premissa de Furor Homicida não fosse tão boa, o livro seria perfeito. Infelizmente dezenas de filmes e livros que vieram posteriormente , se apropriaram da mesma fórmula utilizada pelo autor para enganar seus leitores e expectadores. Talvez na década em que foi escrita a grande revelação fosse chocante, porém o leitor moderno descobre o segredo na metade do livro. E isso torna a leitura metade final enfadonha, mesmo com a adição de novos protagonistas, que tentam desvendar os misteriosos assassinatos, a narrativa começa a tropeçar, principalmente na espécie de inocência infantil que envolve esses personagens. Mesmo assim o resultado final é interessante, se alguém quiser se aventurar na leitura, a questão central da relação dos protagonistas vale por si só a viagem. (6/10☠)
Madison, 1300 de Ira Levin
[Editora Best Seller, 1991, 220 páginas]
Por que ler?
Ira Levin se tornou imortal após escrever O Bebê de Rosemary, mas após a publicação de Os Meninos do Brasil em 1976 sua carreira como escritor de ficção entrou em um hiato. Foi no início da década de noventa que Madison, 1300 foi lançado com a premissa de ser um assustador thriller hightech e recuperar sua fama como um dos "mestres do suspense". O livro traz novamente o claustrofóbico cenário de um edifício habitacional, construído por um jovem ambicioso e rico, suas paredes escondem um segredo perturbador. Há câmeras escondidas em todos os apartamentos e o dono do local tem acesso a todas as filmagens através de uma sala de controle.
Por que evitar?
O gatilho da narrativa é a chegada de uma nova inquilina, seu envolvimento amoroso com a mesma e a consequente descoberta deste antro de perversão. É a partir daí que a história deveria começar a se desenvolver, mas não é o que acontece, simplesmente não há suspense na situação! Os personagens não são convincentes e suas ações menos ainda. Quando o leitor finalmente atravessa a pesada areia movediça que é a narrativa, o final não chega a receber nenhuma resposta emocional. É de longe o pior de Ira Levin, a sensação é de que a estória iniciou-se como um roteiro, há uma adaptação protagonizada por Sharon Stone chamada Invasão de Privacidade, e foi parcamente adaptada para romance. Evite. (4/10☠)
O Legado de John Coyne
[Editora Record, 1979, 176 páginas]
Por que ler?
O Legado de John Coyne é mais um daqueles livros adaptados de sucessos do cinema que nasceram na emblemática década experimental do gênero do terror. De um lado temos nomes como Stephen King, Dean Koontz e Peter Straub publicando quase ao mesmo tempo seus primeiros livros, obras que definiriam os rumos da literatura de horror moderna, ao mesmo tempo por outra perspectiva, o sucesso de O Exorcista e Tubarão implicava no crescimento exacerbado de novelizações. A premissa de O Legado é construída a partir da questão de uma sociedade secreta com propósitos escusos, a protagonista é seduzida para o interior de uma dessas organizações, e o suspense jaz na descoberta das reais intenções por trás de todas as maquinações.
Por que evitar?
A edição nacional de O Legado protagoniza um grande defeito: a sinopse revela praticamente a estória inteira, as mortes que deveriam ser um choque são citadas e a surpresa da narrativa perde-se em meio a tanta informação revelada. Mesmo assim o estilo ágil de John Coyne consegue seduzir o leitor e transportá-lo para um ambiente de mistério, numa época em que a construção do suspense era mais lenta, o livro tem sua reviravolta principal perto da última página, e isso resulta na sensação de questões não respondidas e mal resolvidas, um ácido que corrói nosso sexto sentido de leitor. O Legado é um típico romance comercial, mas algumas cenas tem seus méritos. (5/10☠)
A Maldição de William H. Hallahan
[Editora Record, 1974, 217 páginas]
Por que ler?
A Maldição de William H. Hallahan é o típico livro de terror dos anos setenta, no qual o suspense é construído aos poucos, duas narrativas diferentes se desenvolvem: a primeira delas imersa na normalidade, acompanha a vida de um homem comum que luta para evitar a destruição de seu prédio e é assombrado por um estranho ruído noturno; a segunda envolta em mistérios é protagonizada por um detetive obcecado em uma busca genealógica por descendentes de uma misteriosa família, há poucos indícios do "porque", mas suas ações demonstram que o resultado final não será nada amigável. A ligação entre essas duas estórias fica explícita somente nas páginas finais, a tensão é criada a partir de sessões espíritas e de hipnose, o momento que todas as peças se encaixam... É arrepiante!
Por que evitar?
São oferecidas ao leitor poucas doses deste "suspense assustador" ao longo das páginas, a escrita de William H. Hallahan não é nada fácil, as frases lutam entre si em busca de sentido e muitas vezes terminam em estradas sem saída. A sugestão do sobrenatural é leve e quase nada é explicado, a interpretação gera dezenas de dúvidas que permanecem sem resolução. A Maldição é um livro misterioso que se nega a oferecer respostas fáceis, se faz de difícil e se entrega nos momentos em que você menos espera. É uma leitura interessante, mas que não entretém, tanto pela sua morosidade, quanto pela dificuldade. Se você é um leitor que gosta de desafios mentais, encontrará alento dentro destas páginas. (6/10☠)
A Fúria de John Farris
[Editora Record, 1976, 359 páginas]
Por que ler?
A primeira vez que ouvi falar de A Fúria de John Farris foi através de uma discussão entre fãs fervorosos de Stephen King, que negavam que A Incendiária era uma cópia deste livro. Ambas estórias tem pontos de conexão, mas desenvolvimentos e conclusões seguem caminhos diferentes. Numa época em que o clichê era jovem, John Farris misturou crianças com habilidades psíquicas a governos corruptos, organizações privadas obscuras e cientistas imorais por meio de uma narrativa explosiva e carregada de cenas ação. A trama gira em torno da busca de um pai por seu filho telepata, raptado pelo governo, enquanto procura informações sobre o seu paradeiro tem que enfrentar a os próprios raptores em confrontos sangrentos e mortais.
Por que evitar?
A escrita de John Farris é enfadonha ao extremo, o suspense é até bem construído e algumas cenas de ação conseguem te fazer prender o fôlego, mas o conjunto geral não convence. Cenas emocionantes são cortadas ao meio por monólogos arrastados e chatos, as motivações de personagens secundários são inacreditáveis e a leitura demora a engatar. É um livro que deveria ter sido interessante na época em que foi lançado, mas que hoje em dia só traz mais do mesmo e isso de maneira bem regular. (3/10☠)
A Alma de Anna Klane de Terrel Miedaner
[Francisco Alves, 1984, 224 páginas]
Por que ler?
A Alma de Anna Klane é um livro fascinante que discorre sobre um dos temas mais polêmicos dentro dos círculos acadêmicos: a existência da alma. Será que "alma"é apenas um conceito religioso ou sua essência pode ser comprovada através da ciência? Essa é a questão central do romance de Terrel Miedaner. Anna Klane é uma menina de inteligência e percepção raras, quando um tumor é diagnosticado em seu cérebro seu pai nega-se a autorizar a operação, pois acredita na possibilidade da cura através do poder da mente.
O embate com o médico acaba indo aos tribunais de justiça e a decisão lógica, é claro, pende em direção a realização da cirurgia. Após o procedimento cirúrgico, enquanto os médicos se congratulam pelo sucesso, o pai de Anna Klane, motivado pela percepção de que algo na mente de sua filha quebrou-se irreparavelmente, a incita ao suicídio. A narrativa se baseia no seu posterior julgamento, o advogado de defesa terá a difícil missão de provar que Anna Klane após a cirurgia já não possuía mais uma alma.
Por que evitar?
A narrativa seduz o leitor desde as primeiras páginas, no julgamento as opiniões de vários especialistas sobre o assunto são detalhadamente dissecadas, de um modo que o leitor tem material mais que suficiente para realizar a análise da questão central e tirar suas próprias conclusões. Nesse sentido de questionamento existencial a obra alcança nota máxima. Agora como livro de ficção, seu grande pecado jaz em seu final, não por ser inconclusivo, mas por ir em uma direção completamente diferente do caminho que a própria narrativa constrói. É como se Terrel Miedaner tirasse nota máxima em todas as provas, mas acabasse reprovado no final por causa de faltas. É um ótimo livro, com uma bela estória que aborda um assunto interessante, mas que tem um fim péssimo. Enfim a leitura vale pela beleza do caminho pelo qual você viajará, mas não tenha grandes expectativas em relação ao destino final. (7/10☠)