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Resenha: Carniceiro Mefítico de Jean Thallis

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Sinopse:
   Os repentinos sequestros em Colniza, norte do Mato Grosso, cobriram a cidade com uma mortalha de horror. Pedro faz parte de uma das muitas famílias que vivem em assentamentos com produção de café, apesar de jovem, possuí filha e como todos, também está amedrontado, temendo que sua filha seja o décimo sétimo rapto. Mas a tristeza de ver Bia raptada, sua primogênita, será apenas o prelúdio para a mais sórdida imersão na animalidade humana. Seu débil esforço na tentativa de resgatá-la correndo atrás daquele demônio, o levará para o emaranhado da floresta amazônica, onde horrores mais tétricos que a morte o rondarão no sonho e em vigília.

Opinião:
    O folclore brasileiro é rico em sua manifestação cultural, de norte a sul do país existem lendas e mitos regionalistas que são inspirados em crenças indígenas, há uma grande variação no teor desses relatos, parte disto se deve pela nossa grande extensão territorial, mas a principal barreira é a cultura da oralidade das tribos indígenas, nenhuma delas desenvolveu a escrita de modo que as lendas foram passadas no boca a boca de geração a geração. Esse forma de transmissão de informações ocasiona todo tipo de modificação, a maior delas é evidenciada pelo choque cultural advindo da interferência da cultura europeia, através dos jesuítas portugueses. Um exemplo disso é a lenda da Iara, a versão conhecida atualmente é a de uma índia de cabelos negros e olhos verdes que seduz homens para as profundezas das águas como uma espécie de sereia, mas há uma versão mais antiga que faz alusão a uma entidade antropofágica, chamada de Ipupiara, um monstro aquático absolutamente arrepiante. Mas o que isso tem a ver com Carniceiro Mefítico? Simples, Jean Thallis utiliza a figura do Curupira como vilão em sua narrativa, mas não a visão romanceada do menino travesso que utiliza a deformação de seus pés para enganar aqueles que invadem as matas, e sim a criatura que habita as histórias indígenas, de um tempo anterior ao dos europeus, repletas de violência, raptos de crianças e abusos sexuais. 
   O desbravamento do interior do Brasil é um processo que tem suas raízes fixas em meados do século XVII através das expedições dos bandeirantes, porém foi apenas no século XX que o povoamento dessas regiões se intensificou, através de incentivos do governo, que tencionava garantir a soberania nacional a partir da ocupação, famílias inteiras "ganhavam" pedaços de terra para se tornarem criadores de animais ou donos de campos de plantações. Colniza, uma pequena cidade do interior mato-grossense, é uma das muitas comunidades que surgiram deste modo, seus plácidos habitantes são homens comuns que buscaram o refúgio do campo para sustentar suas famílias. Porém a sensação luxuriosa de bucolismo é destruída quando as crianças do assentamento começam a desaparecer, os sequestros são tão repentinos e envoltos em mistério que nenhum responsável é apontado e acredita-se que os tentáculos do sobrenatural estejam por trás dos desaparecimentos. 
  Pedro é um jovem agricultor que está tão temeroso com essa onda de sequestros quanto os outros pais, sua filha pequena tem e mesma idade das vítimas e seu coração transforma-se em gelo perante a mera sugestão que possa perdê-la, suas noites são passadas em vigília, atrás de portas e janelas fortemente reforçadas, para evitar arrombamentos. Se depender de suas forças o sequestrador jamais chegará a um metro de sua filha. Mas o mal sempre está à espreita e um pequeno deslize de atenção é tudo o que o monstro precisa para atacar. Pedro ouve os gritos de sua filha e o extremo horror se apossa de sua alma quando vê a criatura que a segura. Um homem de um branco cadavérico, com cabelos laranja espetados  misturados com terra, olhos completamente negros como a noite, um sorriso pontiagudo que reflete as intenções mais psicóticas e o que lhe permite identificar a criatura, os pés virados para trás. O monstro dispara para a floresta com seu prêmio entre os braços e Pedro vai atrás. Tem início então uma perseguição pelo interior da floresta amazônica que revelará os segredos mais pútridos e obscuros que jazem por trás de toda a beleza do verde. 
   Carniceiro Mefítico é um livro pesado, extremamente vívido e explícito em suas descrições de violência, necrofilia e outros temas tão bizarros que embrulham a mente só de lembrar, a leitura é uma experiência torturante e angustiante ao mesmo tempo que instigante e prazerosa, é como ser amarrado a uma mesa de cirurgia e ter seus órgãos internos arrancados por um psicopata tendo a dor como única anestesia. Diferente de outros escritores do gênero, Jean Thallis não convida o leitor para um passeio no escuro por uma casa assombrada ou cemitério à noite, na verdade sequestra o leitor para um tour de force em abatedouro humano em plena luz do dia. Não recomendo o livro para pessoas sensíveis e que se chocam com facilidade, mesmo com minhas cicatrizes de leitor de "combates" anteriores me senti desconfortável durante a leitura, não foram poucas as vezes que tive que desviar os olhos para digerir uma cena absolutamente doentia ou deixar o livro de lado por sentir meus dedos pegajosos com a quantidade de sangue que há nas páginas. 
  A narrativa de Jean Thallis é simples e visceral, seu estilo remete a Clive Barker em Livros de Sangue, mas sua coragem vai além ao explorar temas e sensações que mesmo Barker evitou. Este é o segundo livro do autor,  precedido por Lapso Esquizofrênico, e foi publicado de modo independente, se mesmo o terror nacional tem pouco espaço nas editoras o subgênero gore é totalmente ignorado, por isso é tão importante apoiar os nomes brasileiros que se lançam na cruzada de publicar suas visões malditas. Jean Thallis ainda faz algo mais admirável ao disponibilizar Lapso Esquizofrênico e Carniceiro Mefítico para download gratuito em seu site (clique no nome dos livros para ir direto para as páginas), no qual também é possível encontrar vários contos de sua autoria. Carniceiro Mefítico não se propõe exatamente a assustar o leitor, embora algumas passagens consigam, o foco é no choque da exploração carnal do lado mais escuro da alma humana. É um livro que te surpreenderá se tiver estomago e coragem suficiente para chegar até suas páginas finais.  

Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras) 

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